Depois de passar por temporadas em Belo Horizonte e no Rio, a turnê do álbum Caravanas” chegou a São Paulo na noite desta quinta (1º), no palco do Tom Brasil, sem novidades. O repertório, a banda, a postura do artista, tudo já foi comentado nas praças anteriores da excursão.
Mas não importa. O público paulistano, sem ver um show solo de Chico Buarque há seis anos, dispensa novidades. Mais do que um concerto de ótimos sambas, é uma celebração, é marcar presença diante do ídolo que, feito um ritual, cutuca várias áreas da memória afetiva da plateia. E esta se esbalda. Chico tem fama de não cantar bem, mas encanta muito.
Para isso, ele nem precisa elencar os maiores sucessos da carreira. O setlist dá atenção total ao álbum “Caravanas”, trazendo as nove músicas do disco lançado em agosto do ano passado. Elogiado, na verdade fez menos alvoroço do que o esperado. Talvez a sequência da turnê aumente a repercussão.
O mais engenhoso na construção do show é ver como Chico costura as canções de “Caravanas” com outras de sua história, em blocos “temáticos”. O exemplo mais explícito é, sem dúvida, juntar “Iolanda”, antiga parceria com o amigo cubano Plabo Milanés, e “Casualmente”, bolero do último disco que fala de Havana, escrita com Jorge Helder, baixista da sua banda.
Outro link claro é “Desaforos”, de “Caravanas”, ser seguida por “Injuriado”, do álbum “As Cidades” (1998). Unidas pelo estado de espírito algo tenso de Chico ao escrever as letras.
O desamparo do Rio sujeito à violência chega representado por canções fortes escritas com um intervalo de 30 anos. “As Caravanas”, carro-chefe do disco novo, fala da fratura social que gera pânico no Rio, e o roteiro do show joga depois “Estação Derradeira”, do álbum “Francisco” (1987), com seus versos “Rio de ladeiras/ civilização encruzilhada/ cada ribanceira é uma nação”.
No conjunto das músicas, é evidente que Chico quer mostrar suas vertentes poéticas, falar de amor e de política, ser agressivo e ser sedutor. Mas, com a unidade sonora da banda, com os mesmos músicos e mesmas afinações, fica reforçada a percepção de que seu universo é mesmo o samba, simples ou sofisticado.
A abertura do show traz três sambas que Chico gravou na trilha do filme “Quando o Carnaval Chegar” (1972): “Minha Embaixada Chegou”, de Assis Valente (a única da apresentação que não tem letra de Chico), “Mambembe” e “Partido Alto”.
O cantor não sai de sua zona de conforto. Conversa um pouco com o público, dedilha no violão para acompanhar o coro de “Fora, Temer” que a plateia cantou algumas vezes, ri de modo tímido, mas parece o tempo todo focado no andamento das músicas. Os arranjos são enxutos e elegantes e, no caso das músicas do álbum mais recente, extremamente fiéis aos gravados.
A banda de velhos amigos toca descontraída. Faz falta o baterista Wilson das Neves, que esteve em dezenas de shows com o cantor e morreu no ano passado, aos 81 anos. Como homenagem, Chico canta uma parceria dos dois, “Grande Hotel”, e dá uma sambadinha, imitando o amigo.
Depois de três dezenas de canções apresentadas, fechadas num bis que teve “Geni e o Zepelin”, “Futuros Amantes” e “Paratodos”, é inevitável nas conversas dos fãs na saída as reclamações sobre a falta desta ou daquela música favorita. Mas o júbilo é evidente.
A atitude de quem está ali é um pouco a de um grande vencedor. Gente que conseguiu comprar um disputado ingresso para “Caravanas”. Serão 16 datas no Tom Brasil até o final do mês, e mais oito datas extras em abril. Depois disso, talvez outros seis anos de hiato, quem sabe… Com informações da Folhapress.